Nosso
hotel em Pequim ficava próximo à Cidade Proibida. Ao sair para explorar a área
urbana em volta, reparei algumas pequenas portas de madeira que abriam
diretamente para a rua. Inicialmente pensei que fossem entradas para
residências, como é comum encontrar em cidades tradicionais, como as que a
gente vê nas coloniais brasileiras. Mas ao passar em frente a uma delas, no
momento em que dali saia uma pessoa, vi que além daquela estreita porta se
abria uma ruela típica de uma vila de casas.
Curioso,
no dia seguinte decidi me aventurar por uma dessas vilas escondidas na área
central de Pequim e descobri um dos mais antigos hutongs da cidade.
Durante
a Dinastia Ming (Sec. XV) os nobres e aristocratas podiam viver no entorno do
Palácio Imperial (Cidade Proibida) em residências organizadas em torno de
pequenos pátios (siheyuan). A reunião de vários siheyuans formavam um hutong, espécie de
quarteirão com ruelas ordenadas em malhas ortogonais, que podem ser
considerados um dos mais antigos ordenamentos urbanos conhecidos.
O
hutong onde adentrei (Nan wa zi) é parte remanescente de um dos hutongs existentes
no entorno da Cidade Proibida. Outrora residências de luxo, os hutongs foram se
degradando e sendo ocupados por população mais pobre. Muitos foram destruídos
em meados do Sec. XX para dar lugar a largas avenidas e boulevards (uma
tradução do urbanismo higienista na República Popular da China).
Desde
do Início do Sec. XXI, a importância histórica e cultural dos hutongs foi sendo
reconhecida e algumas áreas remanescentes delas foram declaradas áreas patrimonialmente
protegidas. Esse movimento de reconhecimento foi importante porque muitos
hutongs foram revitalizados e suas edificações foram transformadas em hotéis,
lojas e restaurantes. Entretanto, provocou um efeito gentrificador e parte da
população pobre que ali vivia em área central foi sendo substituída.
Quando
estive em Pequim ainda foi possível ver muitos locais nesse hutong por onde me
aventurei um pouco receoso de estar invandindo uma área privada, embora o
acesso às suas ruas seja público. Mas a atmosfera intimista, tão diferente das
ruas agitadas e cheias de gente e carros logo ali do lado, provoca esse
sentimento. Em um hutong há gente sentada na frente de suas casas, um comércio local
e uma rede de vizinhança.
Um
despreocupado cidadão, sentado confortavelmente em sua poltrona na movimentada
rua em frente ao seu hutong de moradia e consultando seu smartphone é um
instantâneo da convivência entre modernidade e tradição na capital chinesa.
Texto
e Fotos: Sérgio Ulisses Jatobá
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