TIPOS INFAMES EM MADRI

 

Estou sentado em frente à janela de uma livraria na Calle de San Joaquín em Madri, lendo um livro, bebendo um vinho e mirando a rua. Da rua, também me olham na ampla janela da “Tipos Infames – libros y vinos”. Ali dentro o ambiente é acolhedor: um pequeno balcão de bar, à direita de quem entra, um quadro negro com o cardápio de vinos, tapas e bocadillos; estantes de livros, algumas mesas e cadeiras, pessoas lendo e bebendo quase em silêncio. Uma típica livraria de bairro em uma cidade e país onde o prazer de fazer e consumir literatura e vinhos é uma tradição secular. 

Pergunto por livros de Enrique Vila-Matas. O atendente e barmam se surpreende de um brasileiro conhecer um escritor espanhol contemporâneo, que mesmo espanhóis não conhecem muito. Me mostra uma coletânea de ensaios sobre literatura e autores que não havia sido publicada em português: “Una vida absolutamente maravilhosa”. Era esse o livro que degustava, junto com um tinto Ribeira de Duero, enquanto olhava a rua e pensava como a vida pode ser maravilhosa por alguns instantes, como aquele.

É Vila-Matas que cita o escritor sérvio Danilo Kiš: “A literatura é (...) o instante em que se tem a impressão de que em toda a nulidade do homem e da vida, há de todos os modos alguns momentos privilegiados, que há que se aproveitar.”


Lá fora era um dia de sol, na primavera de 2014. As ruas do centro de Madri estavam cheias de gente, nas celebrações da Semana Santa.  O bom tempo e as procissões do Viernes Santo atraíram muitos. O ritmo marcado do bumbo se parece às batidas do coração e ajuda a emocionar àqueles aos quais a fé já motiva. O desfile e o som da banda são solenes, mas lembram o seu reverso profano: o Carnaval. Porém, bem diferente da alegre anarquia carnavalesca, a Semana Santa na Espanha representa o que há de mais conservador. Prefiro a “infâmia” da literatura e seus “malditos” produtores e apreciadores.   








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